A advocacia está passando por duas grandes transformações (e nunca mais será a mesma)

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Estamos vivendo tempos complexos e de grandes transformações. Tecnologias antes disponíveis apenas para empresas e governos hoje estão se tornando mais acessíveis em virtude da digitalização. Organizações estão desmaterializando o que um dia foi físico e criando soluções inovadoras. A tecnologia está modificando a natureza do trabalho em diversas indústrias e setores.

Todas essas transformações estão afetando o Direito e, em especial, a advocacia. A advocacia está sendo influenciada pela Quarta Revolução Industrial, caracterizada pelo estreitamento de limites entre o mundo físico, biológico e digital. Assim como a tecnologia está mudando a sociedade, ela também está modificando a atividade dos advogados. O processo de transformação digital é irreversível.

Muitos pesquisadores vem se dedicando a entender de que forma a tecnologia afetará o trabalho dos advogados. Richard Susskind é, seguramente, um dos maiores especialistas no tema. Ao longo das últimas décadas, o professor produziu importantes trabalhos sobre o futuro da advocacia, com especial destaque para os livros The End of Lawyers? (2008) e Tomorrow’s Lawyers (2013).

Para Richard Susskind, os advogados devem compreender as transformações que enfrentarão nos próximos anos, sob pena de não sobreviver no mercado jurídico. De acordo com o professor, esses “fatores de mudança” podem ser agrupados em três frentes: o desafio do “mais por menos”[1], a liberalização[2] e a tecnologia da informação – sendo esta, em especial, a mais desafiadora das transformações.

A tecnologia da informação e as duas grandes transformações da advocacia

Conforme Susskind, os impactos da tecnologia não estão afetando apenas o cotidiano dos advogados, mas também o campo de atuação desses profissionais (a sociedade e as relações sociais). Estamos diante, portanto, de duas grandes transformações: a primeira, representada pela tecnologia no Direito; a segunda, representada pelas mudanças no Direito enquanto reflexo da sociedade tecnológica.

Explico cada uma das transformações em detalhes:

Primeira transformação da advocacia: a tecnologia no Direito

Os avanços tecnológicos estão oferecendo aos advogados novas ferramentas para aprimorar as atividades diárias. As soluções, disponíveis no mercado por intermédio de lawtechs e legaltechs, podem ser utilizadas pelos profissionais tanto para aumentar a produtividade e eficiência do trabalho quanto para vendê-las como um “diferencial” do serviço jurídico prestado. As possibilidade são inúmeras.

Para se ter uma ideia da quantidade de produtos/serviços existentes no país, basta navegar pelo site da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L). O portal oferece um radar dinâmico com dezenas de soluções, tais como serviços de automação e gestão de documentos, monitoramento de dados públicos, jurimetria, gestão de escritórios, resolução de conflitos online, e muito mais.

Aliás, a imagem a seguir apresenta as principais categorias de lawtechs e legaltechs:

grandes transformações 01

O Direito está sendo diretamente impactado pelas novas tecnologias e não voltará a ser analógico. Essa primeira transformação (tecnologia no Direito) é, portanto, inevitável. Os advogados têm em suas mãos um leque de opções para se manter competitivos e aprimorar seus serviços jurídicos. Em suma, quem não aproveitar a onda de oportunidades corre o risco de perecer no mercado da advocacia.

Segunda transformação da advocacia: o Direito como reflexo da sociedade tecnológica

O crescimento exponencial da tecnologia afeta a sociedade e torna as relações sociais mais complexas. Novas tecnologias trazem novos benefícios, mas novos problemas. Novos aplicativos trazem novas facilidades, mas novos problemas. Todo esse cenário está exigindo novas habilidades dos advogados, para que sejam capazes de lidar com situações inusitadas que baterão à porta do Poder Judiciário.

Questões antes relegadas ao plano da ficção científica estão, agora, chegando à mesa dos magistrados. A nanotecnologia, por exemplo, mais cedo ou mais tarde iniciará um diálogo apreensivo com o Direito. A técnica, que envolve manipular materiais no nível atômico e molecular (escala nanométrica), traz consigo muitas incertezas, sobretudo relacionados aos riscos à saúde e ao meio ambiente.

A complexidade do campo é tamanha que delimitar os efeitos das nanotecnologias é uma tarefa difícil para os próprios cientistas. O que dizer, então, dos operados do Direito? Para atuar em casos envolvendo essas técnicas multidisciplinares, os advogados deverão ter noções de escala nanométrica e saber como funcionam os microscópios de varredura eletrônica, para dizer o mínimo.

A nanotecnologia é apenas um exemplo. Questões relacionadas a drones, blockchain, impressão 3D, robótica e inteligência artificial logo serão judicializadas. Cada processo exigirá um conjunto de saberes multidisciplinares, exigindo do advogado que se mantenha permanentemente atualizado para enfrentar (e vencer) os problemas técnicos demandados pelas novas tecnologias.

Mas essas duas grandes transformações significam o fim dos advogados?

Não. Ainda que essas duas transformações sejam inevitáveis, elas não significam o fim dos advogados, mas uma diminuição na necessidade de determinados profissionais, como refere Susskind. Só para ilustrar: os advogados não especializados (batizados de “clínicos gerais”) e avessos às tecnologias estão entre aqueles com potencial de sucumbir mais rápido nos próximos anos.

Já os profissionais da advocacia não muito especializados, mas que são capazes de usar as novas tecnologias para aprimorar suas atividades cotidianas, remanescerão. Embora não seja possível prever o futuro, os sinais são inegáveis: os advogados que enxergam a tecnologia como oportunidade (e não como ameaça) potencializam suas chances de alçar voo no “novo mundo” do Direito.


NOTAS

[1] Os clientes tendem a procurar serviços mais baratos e com mais qualidade.

[2] Os prestadores alternativos de serviços jurídicos (empresas e não advogados) estão ganhando cada vez mais espaço.


Continue explorando o assunto

FEIGELSON, Bruno; BECKER, Daniel; RAVAGNANI, Giovani (orgs.). O advogado do amanhã: estudos em homenagem ao professor Richard Susskind. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.


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Bernardo de Azevedo

Bernardo de Azevedo

Advogado. Doutorando em Direito (UNISINOS). Mestre em Ciências Criminais (PUCRS). Especialista em Computação Forense e Segurança da Informação (IPOG). Professor dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da Universidade FEEVALE e da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
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