Advocacia 4.0: como superar o desafio do “mais por menos”

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Em seu livro Tomorrow’s Lawyers (2013), Richard Susskind sugere que a advocacia será impactada por três grandes “fatores de mudança” no futuro: o desafio do “mais por menos”, a liberalização e a tecnologia. De acordo com o professor britânico, esses propulsores, juntos, conduzirão a transformações extraordinárias na maneira como os profissionais da advocacia trabalham.

Conforme Susskind, a liberalização e a tecnologia produzirão imensas mudanças na atividade profissional, mas a força dominante será o desafio do “mais por menos”. Os clientes cada vez mais pressionarão os advogados, demandando serviços de maior qualidade e com custos menores. Mais do que nunca, o cenário exigirá dos profissionais respostas convincentes às novas condições do mercado.

Para o professor, existem apenas duas estratégias viáveis para ajudar os advogados a superar o desafio do “mais por menos”. Em resumo, são elas: a estratégia de eficiência e a estratégia de colaboração. A primeira envolve encontrar formas de reduzir os custos do serviço jurídico. Já a segunda sugere que clientes sejam reunidos e compartilhem os custos de certas modalidades de serviço.

Estratégia de eficiência para superar o desafio do “mais por menos”

Quando se fala em redução de custos em escritórios de advocacia ou departamentos jurídicos de organizações, vem à mente dos profissionais a ideia de eliminar despesas em áreas como tecnologia, marketing e recursos humanos. Mas, de acordo com Richard Susskind, o foco deve ser outro: a redução de custos deve ser direcionada àqueles trabalhos considerados rotineiros e repetitivos.

Conforme ele, é essencial identificar quais atividades podem ser “rotinizadas” e realizados de maneira mais eficiente, seja através de profissionais menos qualificados (e mais baratos), seja através da automação. São exemplos de atividades que podem ser “rotinizadas”: revisão de documentos jurídicos, processos de due diligence, redação de contratos e pesquisa jurisprudencial.

Otimizando trabalhos rotineiros e repetitivos

No campo da automação, lawtechs legaltechs brasileiras já oferecem soluções tecnológicas para tornar as atividades mais eficientes e com custos reduzidos aos escritórios de advocacia. A curitibana Contraktor, por exemplo, oferece uma plataforma que abrange o ciclo de vida dos contratos, contando com ferramentas como assinatura digital e autopreenchimento de documentos.

Só para ilustrar: a NetLex simplifica e otimiza a criação e gestão de documentos, dos mais simples ao mais complexos. Com a Looplex, por exemplo, advogados escolhem modelos pré-definidos de documentos e, após responder um conjunto de perguntas (como dados do cliente, do processo, etc), recebem os documentos prontos, economizando tempo precioso na rotina do escritório.

Existem soluções avançadas no mercado brasileiro que aprimoram o ato de peticionar, aumentando a produtividade. O PeticionaMais, da Softplan, permite ao advogado peticionar em diversos tribunais com facilidade. Aliás, o sistema adapta automaticamente a peça jurídica conforme a exigência de cada tribunal, protocola a peça, recebe o número do protocolo e salva o comprovante.

Há também soluções capazes de melhorar a pesquisa jurisprudencial do advogado. A tecnologia de análise jurídica da Deep Legal, por exemplo, permite ao profissional da advocacia monitorar as tendências de julgamento. Com a solução, o advogado conhece o perfil das decisões judiciais, além de antecipar resultados processuais futuros por tempo, processo, comarcas e estados.

O universo brasileiro de lawtechs e legaiechs está repleto de soluções tecnológicas capazes de coletar dados, organizações informações e ajudar os advogados a tomarem melhor decisões no presente. Mesmo os criminalistas – cujo trabalho, em sua essência, é artesanal – podem usar tecnologias de analytics, jurimetria e gestão de documentos para aprimorar os resultados profissionais.

Decomposição e terceirização de serviços

Além de “rotinizar” determinadas atividades, o advogado pode decompor o trabalho em várias tarefas, para executá-las uma a uma de maneira mais eficiente. Para decompor o serviço, Susskind sugere um roteiro com nove padrões, como análise de documento, pesquisa jurídica, gerenciamento do projeto, suporte para litígio, confidencialidade, estrategia, táticas, negociação e advocacia.

É claro que o modelo foi pensado dentro da lógica britânica, sendo inviável aplicar todos elementos em solo brasileiro. Além disso, na prática apenas os quatro últimos elementos da listas costumam ser exigidos pelos clientes, mesmo no Reino Unido (cultura jurídica na qual Richard Susskind desenvolve sua teoria) e nos Estados Unidos. Mas há elementos que podem ser aproveitados.

No Brasil, alguns advogados fecham contratos com clientes para abranger a atuação desde a petição inicial até o último recurso no STF. Uma leitura da técnica de Susskind aplicada o contexto brasileiro envolveria diminuir o objeto do contrato, para abranger menos tarefas. Em suma, um serviço bem prestado na primeira etapa conduz naturalmente ao fechamento de um segundo contrato.

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A liberalização dos serviços jurídicos será uma realidade no Brasil?

Ainda dentro desse contexto de novos e alternativos “arranjos”, o professor elenca 15 formas diversas de obter serviços jurídicos de terceiros. Nem todas elas podem ser adotadas no contexto brasileiro, mas algumas são viáveis. O de-lawyering inclui delegar atividades jurídicas a não advogados, mas com expertise no assunto (por exemplo, operadores de softwares jurídicos de due diligence).

Já o subcontracting abrange repassar o trabalho jurídico a um escritório menor e com custos menores. O outsorcing compreende terceirizar parte das tarefas a profissionais que não compõem a estrutura organizacional do escritório ou da empresa. Além disso, há o co-sourcing, que engloba colaborar na realização da uma tarefa, geralmente em estabelecimentos de serviços compartilhados.

Estratégia de colaboração para superar o desafio do “mais por menos”

A estratégia de colaboração é mais radical e, à primeira vista, implausível para muitos advogados. A ideia consiste em reunir os clientes, para que compartilhem os custos de certos tipos de serviços. Ela pode ser aplicada em conjunto com a estratégia de eficiência ou independentemente dela. Para Susskind, a estratégia da colaboração é ideal na área de compliance, sobretudo em bancos.

De acordo com o professor, os principais bancos gastam milhões por ano em compliance e isso não precisa ser assim. Ele acredita que alguns bancos podem se reunir e compartilhar os custos dos trabalhos de compliance que têm em comum. Embora não seja apropriado para tarefas confidenciais e competitivas, a estratégia de colaboração seria adequada para a parte administrativa do trabalho.

Minha sugestão, portanto, é que os banco se reúnam e criem, por exemplo, centros de serviços, o que os ajudaria a realizar pelo menos algumas atividades de compliance a um custo bastante reduzido. – Richard Susskind

Os clientes também pode agir colaborativamente no desenvolvimento de sistemas. O professor cita como exemplo a Rulefinder, uma plataforma de gerenciamento de riscos desenvolvida pela Allen & Overy em conjunto com seis bancos de grande porte. Para Susskind, os advogados devem aprender a trabalhar de forma colaborativa e laborar em conjunto com seus respectivos parceiros.

Na Inglaterra, os chamados escritório in-house são parte do conceito. Esses modelos passaram a se reunir nos últimos anos para compartilhar os custos dos trabalhos. De acordo com o professor britânico, a filosofia pode se estender igualmente às pequenas empresas e indivíduos. Novos negócios jurídicos podem inclusive surgir a partir do conceito da estratégia de colaboração.

É possível superar o desafio do “mais por menos”?

Para Susskind, as estratégias de eficiência e de colaboração são fundamentais para ajudar os advogados a enfrentar o desafio do “mais por menos”, o qual deve atingir muitos países do Ocidente dentro de uma década. Ainda que as estratégias não se amoldem inteiramente ao contexto brasileiro, existem elementos preciosos que podem aprimorar as atividades dos nossos profissionais.


Continue explorando o assunto

FEIGELSON, Bruno; BECKER, Daniel; RAVAGNANI, Giovani (orgs.). O advogado do amanhã: estudos em homenagem ao professor Richard Susskind. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

SUSSKIND, Richard. Tomorrow’s lawyers: an introduction to your future. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2013.


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Bernardo de Azevedo

Bernardo de Azevedo

Advogado. Doutorando em Direito (UNISINOS). Mestre em Ciências Criminais (PUCRS). Especialista em Computação Forense e Segurança da Informação (IPOG). Professor dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da Universidade FEEVALE e da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
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