Advocacia 4.0: o advogado deve mudar o que faz, mas primeiro deve mudar a forma de pensar

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Estamos vivendo uma era de profundas transformações. As novas tecnologias estão mudando a natureza do trabalho em todos os setores, incluindo a Advocacia. Novas indústrias estão nascendo no mercado. A geração atual está herdando mais oportunidades de transformar o mundo do que qualquer outra, o que leva muitos a acreditar que este é, definitivamente, o melhor momento para se viver.

Passamos pela máquina a vapor (Primeira Revolução Industrial), que nos permitiu usar a força motriz em vez da força dos animais. Em seguida, a eletricidade e a produção em massa nos trouxeram melhorias significativas (Segunda Revolução Industrial). Após, a chegada de microprocessadores e da computação nos conduziu a um novo salto em produtividade (Terceira Revolução Industrial).

Quarta Revolução Industrial

Estamos agora na Quarta Revolução Industrial, caracterizada pela fusão de tecnologias e pelo estreitamento de limites entre o mundo físico, biológico e digital. Só para ilustrar: engenharia genética, nanotecnologia, impressão 3D, biotecnologia, internet das coisas, robótica e inteligência artificial são apenas algumas evidências desta mudança radical. E tudo acontece em velocidade exponencial.

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Enquanto o mundo não para de acelerar, o Direito tenta acompanhar o ritmo social. A história nos mostra, aliás, que o tempo do Direito nunca acompanhou o tempo social, que está sempre em constante mutação. Ambos correm (e sempre correram) em velocidades diferentes. O Direito acaba sempre chegando atrasado. Mas, definitivamente, seus operadores não precisam seguir o mesmo ritmo.

Advocacia 4.0

É nesse contexto que se origina a Advocacia 4.0. Assim como a tecnologia está mudando a sociedade e as relações sociais, também está transformando o papel do profissional do Direito e, em especial, do advogado, cuja função é indispensável à administração da justiça. Portanto, o termo “Advocacia 4.0” nos remete à era da transformação digital que estamos vivendo, impulsionada pelos avanços da tecnologia.

A advocacia está incluída na Quarta Revolução Industrial. Em síntese, ela faz parte desse processo irreversível de transformação digital. Sendo assim, é fundamental que o advogado faça parte da inovação tecnológica. Mais do que nunca, o profissional da advocacia deve incorporar as novas ferramentas digitais em suas atividades cotidianas, adaptando sua forma de trabalhar à nova realidade.

Mas, antes de mudar o que faz, o advogado deve mudar a maneira como pensa. Existe uma frase famosa, atribuída a Albert Einstein, que diz: não podemos resolver problemas usando o mesmo tipo de pensamento que usamos quando os criamos. Sendo assim, para alcançar resultados inovadores em uma era de profundas transformações, o advogado deve, antes de tudo, mudar a forma de pensar.

Construindo novas mentalidades para a Advocacia 4.0

Todo o profissional que deseja se preparar para o mercado do futuro deve desenvolver novas mentalidades (tenho evitado usar a expressão mindsets, pois adquiriu uma conotação pejorativa nos últimos anos, tendo inclusive seu significado desvirtuado por alguns “coaches” no país). De todo modo, acredito que todo(a) advogado(a) deve desenvolver três mentalidades fundamentais:

Mentalidade nº 1 – compreender o crescimento exponencial

O advogado 4.0 deve entender que estamos vivendo em mundo acelerado, complexo e exponencial. Insistir na forma de pensamento local e linear, como faziam nossos ancestrais, não faz mais sentido hoje em dia. Em suma, tudo o que acontecia na vida de nossos antepassados estava à distância de uma dia de caminhada (local) e muito pouco mudou no decorrer dos séculos (linear).

O profissional deve compreender que a tecnologia está dobrando de poder a cada 18 meses (Lei de Moore, ainda em vigor, mas prestes do fim). Deve saber que existe uma série de tecnologias exponenciais (como inteligência artificial e blockchain) à sua disposição. Em suma, deve compreender que essas tecnologias podem tanto aprimorar seu trabalho quanto criar novas oportunidades de negócios.

Leia também:

O direito ao esquecimento é compatível com a tecnologia blockchain?

O modelo dos 6 D’s

O modelo 6 D’s, desenvolvido por Peter Diamandis, demonstra o potencial das tecnologias exponenciais para transformar produtos e serviços em indústrias revolucionárias. São eles: Digitalização, Decepção, Disrupção, Desmaterialização, Desmonetização e Democratização. Cada “D” tem seu significado próprio e passa a fazer todo sentido no mundo em que estamos vivendo.

O primeiro “D” é a digitalização. Hoje praticamente qualquer coisa pode ser digitalizada, sendo transformada em linguagem de “zero” e “uns”. Já o segundo “D” é a decepção. Significa dizer que, logo que um produto ou serviço é digitalizado, seu crescimento exponencial não é inicialmente percebido. Em síntese, a duplicação de números pequenos (0,2, 0,4, 0,8…) quase não é notada.

Mas, então, vem o terceiro “D”, de disrupção. Após alcançar o “1”, o crescimento exponencial passa a ser notado. Além disso, após algumas duplicações, o número já ultrapassa 1 bilhão. Passamos, daí, ao quarto “D” é a desmaterialização. A tecnologia transforma o que antes era palpável em aplicativos digitais. O GPS, por exemplo, que antes era um dispositivo físico, hoje está em nossos smartphones.

Os dois últimos D’s

E chegamos ao quinto “D”, de desmonetização. A tecnologia tem a capacidade de tornar um produto/serviço em algo substancialmente barato (ou mesmo gratuito). Só para ilustrar: um livro (físico) exige custos de impressão, já o eBook (digital) exige custo zero (ou menor do que o livro) para ser produzido. E tudo acaba com o “D” de democratização. Uma vez que os produtos e serviços são digitais, eles se tornam globais e onipresentes.

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Em resumo, o advogado que compreende o crescimento exponencial tem uma vantagem competitiva em relação ao demais profissionais. E não me refiro aqui a abrir uma startup, mas aprimorar os serviços já oferecidos em seu escritório (ou mesmo criar novos produtos/serviços melhores que os seus concorrentes). O profissional que domina esses conceitos tem o mundo em suas mãos.

Mentalidade nº 2 – aproveitar a sabedoria da multidão

Advogados têm a oportunidade de encontrar na multidão quase tudo o que precisam para impulsionar seus escritórios de advocacia. Ideais, designs, softwares estão ao alcance de um clique. Existem inúmeras pessoas inteligentes e com tempo livre para auxiliar o advogado a construir produtos, serviços, além de estimular a inovação. Em resumo, não subestime a sabedoria da multidão.

Muitos profissionais estão criando campanhas de financiamento coletivo para juntar o capital necessário para impulsionar sua startup. Se você não pretende montar uma startup, não há problema. Pergunte em fóruns ou grupos de discussão quais novos serviços você pode oferecer em seu escritório. Sabendo o que se quer, a multidão faz todo o resto. Aliás, você encontrará o que precisa antes do que imagina.

Mentalidade nº 3 – enxergar o mundo como algo abundante

Advogados que desejam ser bem sucedidos devem compreender que a tecnologia é uma força com potencial de transformar a escassez em abundância. Embora sejamos inundados de notícias negativas todos os dias, o mundo está se tornando melhor em diversos segmentos. O advogado 4.0 deve compreender esse cenário e enxergar o mundo como algo abundante (e não escasso).

Sim, o Brasil já tem 1,2 milhões de advogados. Estamos chegando a uma média de quase 200 novos profissionais por dia. Sim, a concorrência é alta e, ao que tudo indica, chegaremos a 2 milhões de advogados até 2032. Sim, muitos empregos com funções mais básicas desaparecerão no futuro. Mas você pode encarar esse movimento de duas maneiras: como oportunidade ou como ameaça.

A nova Advocacia

Os advogados capazes de compreender que a tecnologia tem potencial de exponencializar seu conhecimento, elevar sua produtividade e aprimorar seus serviços serão bem sucedidos neste “novo mundo” do Direito. No entanto, aqueles que optarem por ignorar esse movimento, resistindo às inovações tecnológicas e todas as oportunidades delas decorrentes, correm o risco de enfrentar dificuldades.

Enfim, cabe a você, advogado(a), decidir se deseja enxergar o “novo mundo” do Direito como oportunidade ou como ameaça.


Continue explorando o assunto

DIAMANDIS, Peter. Abundância: o futuro é melhor do que você imagina. São Paulo: HSM Editora, 2012.

MALDONADO, Viviane Nóbrega; FEIGELSON, Bruno (org.). Advocacia 4.0. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. Rio de Janeiro: Edipro, 2015.


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Bernardo de Azevedo

Bernardo de Azevedo

Advogado. Doutorando em Direito (UNISINOS). Mestre em Ciências Criminais (PUCRS). Especialista em Computação Forense e Segurança da Informação (IPOG). Professor dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da Universidade FEEVALE e da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
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