Passados quatro meses desde o início do isolamento social, com idas e vindas na flexibilização, as audiências virtuais começam a se tornar realidade nos tribunais brasileiros. As unidades judiciárias já estavam adotando sistemas de videochamadas para realizar sessões de julgamento e sustentações orais, mas, agora, entra em pauta as audiências virtuais.
Um dos aspectos positivos das audiências virtuais é a economia de tempo. Antes da pandemia, precisávamos nos deslocar até o local da audiência e aguardar por horas o seu início. Audiências em outras cidades levavam, quando não um, dois dias de dedicação do advogado. Com as audiências virtuais, é possível aguardar o ato no cômodo do lar ou do escritório.
Mas, ao mesmo tempo em que oferecem facilidades aos profissionais, as audiências virtuais também trazem problemáticas que, antes, sequer eram imaginadas. Talvez uma das questões mais discutíveis seja a prova testemunhal. As audiências virtuais, em síntese, abrem espaço para trapaças e artimanhas durante a condução do depoimento das testemunhas.
Elenco, neste texto, algumas situações que podem ocorrer durante uma audiência virtual. Ao antecipar as possibilidades elencadas a seguir, você estará mais preparado(a) para identificar as trapaças, contraditar testemunhas e obter mais resultados na condução do processo. Conheça, então, algumas artimanhas que podem acontecer nas audiências:
1. Em audiências virtuais, testemunhas podem ler scripts/roteiros
Vamos imaginar que você esteja na sala de audiências (presencial), atuando na defesa de um cliente em processo cível ou trabalhista, e a testemunha da parte contrária comece a dar seu depoimento com uma folha de papel em mãos. Você percebe, em poucos instantes, que ela está lendo um script do que deve falar e de que como deve responder as perguntas.
Esse comportamento naturalmente não seria aceito em uma audiência presencial, seja por você, enquanto profissional da advocacia, seja pelo próprio magistrado, o qual não permitiria que a testemunha prestasse seu depoimento consultando um roteiro. Mas as audiências virtuais oferecem essa possibilidade, pois, na prática, é difícil saber se a leitura ocorre.
Mesmo que o juiz alerte a testemunha para que não leia um script, não é simples evitar a prática. Só para ilustrar: você já tirou uma selfie ou gravou um vídeo no celular e, ao conferir o conteúdo depois, percebeu que você não estava olhando fixadamente para a câmera? Essa situação, aliás, acontece muito. E o mesmo pode acontecer durante uma audiência virtual.

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A depender da posição da câmera no computador, o olhar da testemunha não estará fixadamente reto, como se estivesse olhando para o juiz, mas oblíquo. A testemunha poderá aproveitar que a câmera está nesta posição para ler respostas pré-formuladas. Ainda que o juiz peça a ela para olhar para a câmera, ou mudar de posição, haverá margem para trapaças.
A testemunha poderá simplesmente abrir o documento de texto que contém todas as respostas, para, então, fazer a leitura. A maioria das webcams não conseguem capturar tão nitidamente o movimento dos olhos. Desse modo, parecerá ao juiz que a testemunha está respondendo as perguntas, quando, na prática, estará seguindo as orientações do script.
Como perceber para onde os olhos estão enxergando não é tarefa fácil, você poderá atentar para questões como a linguagem não verbal da testemunha. Uma técnica importante, que explorei em outro texto deste site, é apostar no elemento surpresa para que a testemunha entre em contradição. Se a testemunha estiver seguindo um script, se perderá na história contada.
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2. Em audiências virtuais, testemunhas podem fingir problemas técnicos
Os problemas técnicos são inerentes às videoconferências e sistemas de videochamadas. Oscilações na conexão podem “digitalizar” a fala, tornando a comunicação incompreensível para quem está do outro lado da tela. Sabendo dessas possibilidades, algumas testemunhas podem fingir problemas técnicos para ganhar tempo e formular a resposta perfeita.
Numa audiência presencial, eventual demora na resposta da testemunha seria percebida pelo magistrado como incerteza, mentira ou ausência de lembrança, a depender do caso. Mas, numa audiência virtual, o quadro muda de figura. O juiz poderá até desconfiar que o problema técnico foi propositadamente causado, mas, no fundo, não terá certeza.
Como lidar com tal situação? Como se certificar de que o problema técnico é proposital? Caberá o advogado analisar o comportamento da testemunha em audiência. Se a linguagem não verbal da testemunha ou mesmo as declarações prestadas em juízo indicarem que não há mentiras ou omissões, talvez seja melhor prosseguir a audiência, apesar da falha técnica.
Mas, se tudo revelar o contrário, algumas técnicas podem ser adotadas. Em síntese, se a testemunha da parte contrária ficar desconectada por minutos, talvez seja prudente pedir a anulação da audiência virtual e remarcação do ato para nova data. Afinal, nesse caso, a probabilidade de que ela recebe orientações adicionais do seu procurador é alta.
Se a desconexão for rápida, talvez seja melhor reformular a pergunta, para que uma resposta espontânea seja dada. Aqui, novamente, há a possibilidade de usar a técnica do elemento surpresa, aumentando a carga cognitiva da testemunha. Você poderá também partir para outra pergunta e depois retornar à pergunta da qual a testemunha se esquivou.
3. Em audiências virtuais, testemunhas podem ouvir o que outras testemunhas disseram
Numa audiência presencial, as testemunhas entram separadamente na sala de audiência. Embora elas possam conversar umas com as outras na área externa do fórum, nenhuma consegue acompanhar o depoimento judicial da outra em tempo real. Nas audiências virtuais, há margem para que testemunhas acompanhem, escondidas, o que outras disseram.
Durante a audiência virtual, compartilhando o mesmo ambiente físico, a testemunha “B” poderá ouvir as perguntas feitas à testemunha “A” e, desse modo, se preparar melhor para a sua vez de depor. Além disso, a testemunha “B” também poderá acompanhar as respostas da testemunha “A”, e saberá se deve manter a mesma linha ou modificar a sua versão dos fatos.
Você, como profissional da advocacia, poderia pleitear em audiência que o advogado da parte contrária posicione a câmera em local que seja possível enxergar todo o ambiente. Ou ainda, por mais intrusivo que pareça, que o procurador rotacione a câmera antes de cada depoimento prestado, para você se certificar que não há outras testemunhas naquele local.
Enfim, são situações novas que poderão (ou não) acontecer com os advogados durante as audiências virtuais. Você já presenciou alguma dessas hipóteses em audiência? Há outras que não mencionei? Deixe seu comentário abaixo!
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