Devemos levar a realidade virtual para os tribunais?

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A realidade virtual (RV) é uma tecnologia antiga, que remonta ao ano de 1929, quando Edward Link inventou o Link Trainer, o primeiro simulador de voo comercial. Ela tem a capacidade de substituir todo o campo visual por uma simulação e busca transportar o usuário para outro universo, bloqueando todo o resto. Mas nem sempre é capaz de fazê-lo.

Experiências em RV geralmente oferecem sons incríveis e visuais espetaculares, mas pecam no elemento final, qual seja, o feeback tátil. Em síntese, quando nossos cérebros sentem como se estivessem em um lugar, mas nossos corpos sentem como se estivessem em outro, há claramente uma desconexão que nos impede de ter uma experiência realmente imersiva.

Em grande parte das experiências de RV, nossos olhos e ouvidos até são colocados num novo mundo, mas nosso corpo não sente que está lá. Não à toa, aliás, muitas pessoas perdem completamente o interesse pela RV por causa da “ausência de toque”. A inexistência de feedback tátil torna uma experiência inicialmente incrível em algo frustrante.

Realidade virtual no Tribunal do Júri

Quando se cogita usar RV em processos judiciais, sobretudo no Tribunal do Júri, costuma-se pensar na experiência visual e auditiva que os jurados terão, mas sem considerar a experiência tátil. Na China, recentemente um promotor de justiça entregou um headset HTC Vive à única testemunha de um crime para “transportá-la” ao instante em que o fato ocorreu.

Não houve, contudo, experiência tátil. Embora a introdução de RV tenha inaugurado uma nova fase no sistema de justiça chinês, alguns questionamentos ficam no ar: para convencer dos jurados, será suficiente somente fazê-los visualizar o local onde o crime ocorreu? Ou também devemos fazê-los realmente sentir como se estivessem no local?

Adicionando o feedback tátil na experiência

Empresas de tecnologia estão tentando superar o desafio do feedback tátil. Alguns simulares disponíveis no mercado já combinam movimento, vento, som e visual para mergulhar os usuários na experiência. A startup Senskis, por exemplo, desenvolveu uma cabine multissensorial, que envia flutuações de calor, imita cheiros e simula o vento.

Há outras tecnologias em desenvolvimento. O shapeShift, desenvolvido pelo SHAPELab, é uma espécie de caixa composta por uma série de pinos que simulam formas e texturas sob os dedos do usuário. Já o Ambiotherm, projetado pelo pesquisador Nimesha Ranasinghe, possui módulos de vento e temperatura que se integram a qualquer headset de RV.

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À esquerda, a cabine da Senkis; ao centro, o shapeShift; à direita, o Ambiotherm

A RV tem potencial de auxiliar tanto advogados quanto promotores de justiça nos processos do do júri, mas, quando combinada a tecnologias hápticas, seu potencial para convencer os jurados será ainda maior. A tecnologia não apenas “transportaria” os jurados ao local do acidente, como também os faria “sentir” como se realmente estivessem lá.

Combinando RV com o feedback tátil, todos os sentidos dos jurados seriam explorados. A experiência como um todo se tornaria mais imersiva e convincente. É claro que há valores a considerar para criar experiências como essas, mas provavelmente alguns profissionais decidirão pagar o preço para serem ainda mais eficientes em suas teses defensivas.

Levando a realidade virtual para os tribunais

O Poder Judiciário ainda está lidando com os desafios da pandemia. Outros temas têm, sem dúvida, maior prioridade do que a RV no momento. Mas é inegável que os atores judiciários estão se tornando afeitos às novas tecnologias e aderindo a ferramentas que, antes, jamais imaginariam incluir em suas rotinas. E o mesmo pode ocorrer em relação à RV.

Será que, no futuro, advogados e promotores de Justiça adotarão amplamente essas tecnologias para reconstruir cenas de crime? Deverão os profissionais fundamentar suas teses (defensivas ou acusatórias) contando, única e exclusivamente, com o êxito da experiência imersiva? Conseguirão os jurados realmente experienciar como os fatos aconteceram?


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Bernardo de Azevedo

Bernardo de Azevedo

Advogado. Doutorando em Direito (UNISINOS). Mestre em Ciências Criminais (PUCRS). Especialista em Computação Forense e Segurança da Informação (IPOG). Professor dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da Universidade FEEVALE e da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
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