É praticamente impossível, nos dias de hoje, entrar em qualquer vara judicial sem enxergar um computador. Nas unidades, servidores têm um computador para si e, geralmente, trabalham com dois monitores. Da mesma forma, magistrados usam computadores para elaborar suas decisões. O curioso é que, há “apenas” 91 anos, em 1929, tudo era diferente.
O mundo em 1929
Em um proposital salto histórico, voltamos a 1929. O ano é associado à Grande Depressão, considerada a maior crise do capitalismo financeiro no século XX. O colapso econômico teve início nos EUA e logo se espalhou ao redor do mundo, incluindo no Brasil, que viu as exportações de seu maior produto – o café – caírem significativamente em apenas um ano.
Enquanto a Crise de 1929 afetava a economia, um juiz, em seu gabinete, decidiu inovar em uma de suas decisões. Embora as leis da época determinassem que os atos judiciais devessem ser lavrados a próprio punho (veja, por exemplo, o art. 141, do Código do Processo Civil e Commercial do Estado de São Paulo), o magistrado resolveu datilografar sua sentença.
A sentença datilografada
Normalmente, o juiz escrevia suas sentenças à mão. Mas, naquele dia, munido de uma máquina de escrever, optou por datilografar, tecla a tecla, a decisão. Talvez estivesse com dor no punho. Talvez estivesse cansado de sua caligrafia. Ou talvez quisesse simplesmente deixar a sentença esteticamente mais apresentável. A decisão – datilografada – foi apresentada.
Tempo depois, o Tribunal da Relação de Minas Gerais decidiu anular a sentença. O fundamento? Ter sido a decisão datilografada, em vez de lavrada a próprio punho. A sentença foi anulada por não ter sido escrita à mão! Tudo porque a legislação da época exigia que os atos judiciais precisavam ser redigidos com caligrafia bem feita, e com tinta da cor preta.

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Anos após o episódio, as máquinas de escrever já não eram mais objeto de resistência do Judiciário e passaram a ser adotadas pelos juízes na elaboração de sentenças. Os equipamentos foram usados até meados de 1980, quando os microcomputadores ganharam espaço. As sentenças datilografadas foram, assim, substituídas pelas sentenças digitadas.
Mas, como toda novidade, os microcomputadores também foram alvo de críticas. No final da década de 80, aliás, diversas sentenças foram anuladas. Os tribunais receavam que, ao permitir a reprodução de decisões em lote – de forma sistemática, portanto –, os equipamentos prejudicariam a atenção dos magistrados às particularidades dos processos.
Judiciário novamente colocado à prova
Três décadas depois, voltamos ao presente. Mais uma vez, o Poder Judiciário está sendo colocado à prova. Mas, agora, as novidades são outras. É a vez da inteligência artificial, que pretende ajudar os magistrados na prestação jurisdicional. É também a vez das ODRs, que prometem solucionar os conflitos, aprimorar o acesso à justiça e reduzir o número de ações.
Sem dúvida, a pandemia surpreendeu todos, levando o próprio Judiciário a adaptar suas atividades em tempo recorde, para manter a prestação jurisdicional. Mas a nova realidade, ao mesmo tempo em que traz desafios, oferece aos tribunais um potencial de reconfigurar – para melhor – o cenário jurídico. Como será que, desta vez, o Judiciário irá se posicionar?
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COELHO, Fábio Ulhoa. Judiciário brasileiro ainda reluta a avanços tecnológicos. ConJur, São Paulo, 8 set 2007.
FERRARI, Isabela (coord.). Justiça digital. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.
P. S. Por honestidade acadêmica, informo ao leitor que vasculhei a web à procura da decisão do Tribunal da Relação de Minas Gerais, mas não a encontrei. Acrescento, aliás, que os mais de 20 artigos que mencionam o precedente não referem o número da decisão, o nome das partes envolvidas ou mesmo colacionam trechos do acórdão. Enfim, caso venha a encontrar a decisão em breve, terei prazer em complementar este texto com mais informações ou mesmo escrever um segundo texto sobre o emblemático caso.
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