Os 3 estágios de interação dos advogados com a tecnologia

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Hoje escrevo sobre os 3 estágios de interação dos advogados com a tecnologia, a partir da obra de Richard Susskind.

O mercado jurídico está passando por mudanças impulsionadas por diversos fatores, entre elas a tecnologia. As novas tecnologias estão pautando o mundo do Direito e exigindo dos profissionais um conjunto de habilidades. Os modelos tradicionais de ensino estão sendo repensados, abrindo caminhos para o aprendizado contínuo (lifelong learning) e as carreiras em série.

As mudanças, é claro, não acontecem da noite para o dia. Tal qual a trajetória da evolução humana, na qual neandertais e sapiens coexistiram em algum momento do tempo, as transformações no universo jurídico também são graduais. Compreender tudo o que está ocorrendo é um processo incremental, que envolve, sobretudo, modificar a maneira como os profissionais do Direito pensam.

Estágios de interação dos advogados com a tecnologia

Em seu livro Tomorrow’s Laywers (2013), Richard Susskind sustenta que a interação dos advogados com a tecnologia passa, necessariamente, por três estágios: denial, re-sourcing e disruption. Correndo o risco inerente de quem se aventura na bibliografia estrangeira, tomo aqui a liberdade de adaptar os conceitos do professor ao contexto brasileiro, de modo a ajudar o leitor a compreendê-los.

Conheça, então, os 3 estágios de interação dos advogados com a tecnologia:

O primeiro dos estágios de interação: negação (ou rejeição)

Em síntese, o primeiro estágio de interação é a negação. Muitos escritórios de advocacia e diretores de departamentos jurídicos estão negando os impactos das novas tecnologias e encarando as soluções oferecidas por lawtechs e legaltechs nacionais com desprezo. Conforme alguns profissionais do Direito, essas iniciativas ameaçam o status quo, seja roubando clientes ou receitas.

O Direito não acompanha nem nunca acompanhou o tempo social, correndo sempre em ritmo mais lento. Mas resistir às novas tecnologias não é comportamento próprio da área e/ou de seus profissionais. A história da humanidade registra, aliás, convicções céticas semelhantes no passado. O detalhe curioso é que muitas delas se mostraram equivocadas ao longo dos últimos séculos:

1830 – “viajar em alta velocidade sobre trilhos não é possível porque os passageiros, sem poder respirar, iriam morrer de asfixia” (Dionysius Lardner, escritor científico);

1876  – “este ’telefone’ tem desvantagens demais para ser considerado um meio de comunicação, não tem valor algum para nós” (memorando interno da Western Union);

1895 –“máquinas voadoras mais pesadas que o ar são impossíveis” (Lord Kelvin, matemático e físico britânico);

1903 – “o cavalo está aqui para ficar, mas o automóvel é apenas uma moda” (Horace Rackham, Presidente do Michigan Savings Bank);

1936 – “um foguete nunca será capaz de sair da atmosfera da Terra” (New York Times);

1977  – ”não há razão  alguma para alguém querer ter um computador em casa” (Ken Olsen, presidente da Digital Equipment Corporation).

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Acredito que cada profissional tem seu timing para compreender as mudanças em torno do Direito. Não se pode forçar ninguém a nada. Minha missão é ajudar o leitor a se preparar para o mercado jurídico do futuro, mas cabe a ele decidir quais informações absorver e quais dispensar. O risco de permanecer em negação é, sobretudo, perder oportunidades, como lembra Whitney Young Jr.:

É melhor estar preparado para uma oportunidade e não ter nenhuma do que ter uma oportunidade e não estar preparado.

O segundo dos estágios de interação: atenção (ou informação)

No devido tempo, muitos profissionais começarão a se interessar pelas soluções que as lawtechs legaltechs estão desenvolvendo. Alguns deles, então, perceberão por que elas encantam seus usuários e atraem a atenção da mídia. Em suma, entenderão que a tecnologia, a colaboração e a terceirização de processos são ferramentas aptas para aprimorar a qualidade do serviço a custos reduzidos.

Em algum momento, os profissionais “conservadores” compreenderão que existem mais oportunidades do que ameaças no “novo mundo” do Direito. Aliás, para aqueles que não estão convencidos de como o mercado jurídico brasileiro está se transformando, nunca é demais recordar o primeiro radar da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), divulgado em outubro de 2017:

estágios de interação 01

Se, à época, era impressionante a quantidade de startups focadas no mercado jurídico, o mais recente radar de lawtechs e legaltechs da AB2L, atualizado até 12 de setembro de 2019, não deixa dúvida de que estamos atravessando uma grande transformação:

estágios de interação 02

O terceiro dos estágios de interação: disrupção

Embora o termo “disrupção” tenha se metamorfoseado em um jargão corporativo para designar qualquer coisa nova ou moderna, a expressão, em sua essência, representa uma quebra ou descontinuação de um processo já estabelecido. Em resumo, simboliza o rompimento de algo que estamos usando ou aplicando normalmente em nossas vidas, para passar a fazê-lo de maneira diversa.

Uber e AirBnb são dois bons exemplos de disrupção hoje, aliás, considerados “clássicos” em palestras de inovação, tecnologia e empreendedorismo. Só para ilustrar: sem ter nenhum veículo, o Uber transformou a maneira como nos locomovemos nas grandes cidades. Sem ter nenhum quarto de hotel, o AirBnb revolucionou a forma como aproveitamos nossas férias e nossos períodos de lazer.

Em síntese, a tendência é que as tecnologias de informação se tornem cada vez mais poderosas. No contexto do Direito, significaria dizer que, em algum momento do futuro, uma startup desenvolverá uma solução tecnológica que romperá completamente o modo como os advogados trabalham, causando uma “disrupção” no mercado jurídico. Conforme Richard Susskind, tudo é mera questão de tempo:

Essas tecnologias disruptivas passarão a dominar não apenas o trabalho jurídico substantivo, mas também a maneira pela qual os provedores de serviços jurídicos (seres humanos e sistemas de computador) são selecionados.

Sejamos agentes de transformação

Os estágios 1 e 2 coexistem hoje no país. Advogados estão se reunindo cada vez mais com as startups, comparecendo a eventos de empreendedorismo e atuando como mentores. As lawtechs e legaltechs estão começando a serem pautas assíduas de reuniões internas das empresas. Aos poucos, os advogados começarão a  desenhar estratégias para lidar com todo este ecossistemas de inovação.

Sendo assim, convido você, leitor(a), a ser também um(a) agente transformador da mudança.

O que me diz: vamos juntos?


Continue explorando o assunto

FEIGELSON, Bruno; BECKER, Daniel; RAVAGNANI, Giovani (orgs.). O advogado do amanhã: estudos em homenagem ao professor Richard Susskind. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

SUSSKIND, Richard. Tomorrow’s lawyers: an introduction to your future. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2013.


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Bernardo de Azevedo

Bernardo de Azevedo

Advogado. Doutorando em Direito (UNISINOS). Mestre em Ciências Criminais (PUCRS). Especialista em Computação Forense e Segurança da Informação (IPOG). Professor dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da Universidade FEEVALE e da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
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