Storyboards: como eles podem aprimorar as petições dos advogados

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Em textos anteriores, escrevi sobre o uso de vídeos, infográficos e fluxogramas em petições. Todas essas aplicações fazem parte de um novo conceito chamado Visual Law, que busca tornar o Direito mais claro e compreensível por meio de elementos visuais. Hoje escrevo sobre storyboards como instrumentos de comunicação. Afinal, de que forma é possível aplicá-los em peças processuais?

Entendendo os storyboards

Storyboards são construções gráficas que apresentam, quadro a quadro, as principais cenas de uma história. Ele são esboços similares a histórias em quadrinhos e apresentam a pré-visualização, enquadramentos e movimentos das cenas. Inventados pela indústria cinematográfica, os modelos hoje são utilizados também na televisão, nos games, na publicidade e no marketing.

Em resumo, os storyboards oferecem um mapa completo da obra audiovisual. Eles ilustram aquilo que o texto não dá conta de representar, sendo, portanto, essenciais em qualquer projeto de vídeo. Mas, afinal, é possível aplicar storyboards também em petições? De que forma esses esboços podem aprimorar as peças processuais e auxiliar na captura psíquica dos julgadores?

O advogado como contador de histórias

Em sua essência, os processos judiciais são formados por histórias e narrativas. Cabe às partes envolvidas relatar suas versões dos fatos e aos juízes eleger as versões que encontram suporte nas provas. Portanto, não é exagero afirmar que o advogado é um contador de histórias. Afinal, cabe a ele narrar história daquela pessoa (física ou jurídica) que o contratou, com início, meio e fim.

Quanto melhor contada a história, mais chances o profissional tem de convencer o magistrado a acatar suas teses jurídicas. O Visual Law surge nesse contexto, como um conceito para melhorar a comunicação com os julgadores. Em suma, o objetivo é transformar a informação jurídica em algo que qualquer pessoa compreenda, integrando vídeos e outros elementos visuais nas petições.

Resistindo aos storyboards

Quando comparados a outras técnicas de Visual Law – como vídeos, infográficos e fluxogramas – os storyboards largam em desvantagem como instrumentos de comunicação. Isso se deve à própria essência dos esboços, pois normalmente são ilustrados à mão e, como tal, nos remetem a desenhos infantis. Essa característica, por si só, antecipa eventual resistência por parte dos magistrados.

Uma petição com ilustrações feitas à mão pode ser vista com leviandade pelos juízes. Alguns julgadores podem interpretar a peça processual como uma brincadeira, enquanto outros outros, mais radicais, podem enxergar a situação até mesmo como uma ofensa ao Poder Judiciário. Portanto, o maior desafio de aplicar storyboards em petições é ter o cuidado de não deixá-las infantilizadas.

Embora os storyboards sejam pré-visualizações de algo maior a ser produzido (como um vídeo animado, uma campanha de marketing ou uma produção cinematográfica), entendo que eles podem ser aplicados em peças processuais. Em resumo, o profissional da advocacia pode utilizar essas pré-visualizações (esboços sequenciais) como a própria história a ser contada no processo.

Confira, então, como usar storyboards sem que as petições pareçam infantis:

1. Storyboards para esclarecer a dinâmica de acidentes de trânsito

A primeira forma de aplicar storyboard em petições é para esclarecer a dinâmica de um acidente de trânsito. Imagine que você seja contratado para ajuizar uma ação indenizatória por danos morais e materiais envolvendo uma colisão de veículos. Seu cliente relata que não teve responsabilidade no episódio e deseja que você demonstre, tecnicamente, que a culpa foi da parte contrária.

Nesse caso, você poderá perfeitamente combinar as técnicas de peticionamento que já conhece com o conceito do storyboard. Mas, Bernardo, eu não sei desenhar… Sem problema, você não precisar desenhar nada. Aliás, existem diversas ferramentas online que ajudarão você a esclarecer a dinâmica do acidente com precisão e segurança. E sem que você precise saber desenhar uma árvore!

O AccidentSketch, por exemplo, é uma ferramenta gratuita que permite documentar graficamente acidentes de trânsito com facilidade. Ela adota o modelo drap and drop (arrastar e soltar), sendo, portanto, intuitiva. Com a ferramenta, o advogado pode criar uma representação precisa da estrada, incluindo curvas e desvios, para depois inserir os veículos e as posições anteriores à colisão.

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Veja o modelo a seguir, elaborado com o AccidentSketch:

storyboards 01

Com o modelo acima, você poderá demonstrar, de forma ilustrada, que seu cliente (veículo branco) não teve qualquer responsabilidade no ocorrido. Afinal, como revela o storyboard, quadro a quadro, foi a parte contrária (veículo azul) que dobrou à esquerda na rótula (rotunda), colidindo frontalmente com o veículo branco, que seguia corretamente o fluxo de sua faixa de tráfego.

Uma petição que emprega elementos visuais, como no modelo acima, tem mais chances de ser lida e analisada pelo juiz. Isso não significa que o advogado deve abandonar as explicações em texto. Há, inclusive, um campo intitulado “texto descritivo” para inserir dados como velocidade, distância, tempo, etc. Em resumo, o que se busca é aprimorar a mensagem ao destinatário (magistrado).

2. Storyboards em reprodução simulada dos fatos (reconstituição de crime)

A segunda forma de aplicar storyboards em petições é na reprodução simulada dos fatos (reconstituição do crime) do art. 7º, do Código de Processo Penal (CPP). Conforme o dispositivo, para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública.

Embora o CPP disponha que tal atividade “poderá” ser realizada pela autoridade policial, os advogados agora também possuem tal prerrogativa. Isso porque o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aprovou, em dezembro de 2018, o provimento nº 188, que trata da investigação defensiva pelo advogado. O provimento conceitua a investigação defensiva (art. 1º) como sendo

o complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido pelo advogado, com ou sem assistência de consultor técnico ou outros profissionais legalmente habilitados, em qualquer fase da persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição, visando à obtenção de elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu constituinte.

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Por sua vez, o art. 4º do provimento assegura ao advogado realizar reconstituições:

Poderá o advogado, na condução da investigação defensiva, promover diretamente todas as diligências investigatórias necessárias ao esclarecimento do fato, em especial a colheita de depoimentos, pesquisa e obtenção de dados e informações disponíveis em órgãos públicos ou privados, determinar a elaboração de laudos e exames periciais, e realizar reconstituições, ressalvadas as hipóteses de reserva de jurisdição.

Com base no permissivo do provimento 188/2018, o advogado poderá empregar storyboards para ilustrar a reconstituição do crime, contando, quadro a quadro, como os fatos ocorreram. Os esboços sequencias permitem ao profissional contar a história desde o começo com elementos visuais, aumentando as chances de convencer o juiz e, consequentemente, de absolver o cliente.

Imagine que você tenha sido contratado para defender uma mulher acusada de ter cegado seu agressor com um spray de pimenta (lesão corporal grave, conforme o art. 129, §2º, III, do Código Penal). Para evitar que a petição fique infantilizada, o profissional poderá, por exemplo, contratar dois atores e um fotógrafo para reconstruir o crime e organizar todas as informações em um storyboard.

Veja, por exemplo, o modelo apresentado a seguir (com imagens da Adobe Stock):

storyboards 02

O profissional da advocacia pode também descrever o que está acontecendo em cada um dos quadros (frames), para tornar a mensagem ainda mais perceptível ao magistrado. Afinal, como afirmei nos textos anteriores, o Visual Law não se propõe a eliminar as informações textuais, mas sim combiná-las com elementos visuais para tornar o Direito mais claro e compreensível.

Elementos visuais em petições

Essas são apenas algumas formas de utilizar storyboards em petições. O emprego de elementos visuais nas peças processuais está aos poucos ganhando espaço no país, levando alguns profissionais a tomar as rédeas das técnicas de Visual Law para potencializar seus resultados. Vídeos, infográficos, fluxogramas e storyboards começam a fazer parte das petições, em suas mais diversas aplicações.

Com preparo, dedicação e uma boa dose de criatividade, tudo é possível no “novo mundo” do Direito.


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Bernardo de Azevedo

Bernardo de Azevedo

Advogado. Doutorando em Direito (UNISINOS). Mestre em Ciências Criminais (PUCRS). Especialista em Computação Forense e Segurança da Informação (IPOG). Professor dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da Universidade FEEVALE e da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
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