Hoje escrevo sobre vídeos e como eles podem aprimorar as petições do advogados.
Quem atua na advocacia está cada vez mais convencido de que os magistrados não estão mais lendo as petições. É claro que existem exceções, mas a maioria dos julgadores não tem tempo para ler as peças processuais. Na maioria das vezes, a leitura é superficial. O juiz passa os olhos pelos pedidos finais e pelos tópicos da petição para entender os motivos que levaram ao ingresso da demanda.
O cenário jurídico do país, lamentavelmente, é este. Não se vislumbram quaisquer indícios de uma jurisdição mais atenta, com a leitura integral de todas as petições ajuizadas. Os dias seguem com 24 horas (linearidade) e as demandas estão sendo ajuizadas em ritmo acelerado (exponencialidade). Nesse contexto, a brevidade e a clareza se tornam verdadeira aliadas do advogado.
Mas como a mente humana é brilhante e está sempre inovando, não tardou para que fossem criadas alternativas a essa realidade. O Visual Law, por exemplo, foi concebido justamente para tornar o Direito mais claro e compreensível. O conceito integra vídeos e outros elementos visuais para transformar a informação jurídica em algo que qualquer pessoa seja capaz de entender.
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Ferramentas do Visual Law
Entre as principais ferramentas do Visual Law estão:
- Vídeos;
- Infográficos;
- Storyboard;
- Story mapping.
Todos esses recursos são poderosos instrumentos de comunicação, e cada qual tem finalidades distintas. Os vídeos podem ser utilizados para complementar informações em texto; os infográficos podem ser aplicados para prender a atenção do julgador e sintetizar informações de maneira interativa; os storyboards podem ser usados para contar uma história complexa, de forma sequencial.
O emprego de cada ferramenta exige uma boa dose de criatividade do advogado. Caberá ao profissional decidir quais ferramentas são mais convenientes para cada caso concreto. Portanto, é fundamental conhecer o processo (de capa a capa) e, dentro da concepção da teoria dos jogos, estudar também os atores judiciários (jogadores do processo) a cada partida iniciada (jogo processual).
Hoje escrevo sobre os vídeos como instrumentos de comunicação. Afinal, de que forma eles podem ser usados para aprimorar as petições?
Primeiras experiências com QR Code em petições
Embora seja prática recorrente nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, o emprego de vídeos nos processos judiciais ainda é embrionário no Brasil. Um dos primeiros e conhecidos casos aconteceu em 2017. Na oportunidade, o portal Consultor Jurídico (ConJur) noticiou a iniciativa de um advogado de Brasília (DF), que incluiu um QR Code na primeira folha de uma petição.
A atitude do profissional recebeu críticas positivas e negativas no meio jurídico. Aqueles que louvaram a iniciativa comentaram que o QR Code funcionaria bem como um “despacho virtual”. Já os críticos afirmaram que o uso de um hiperlink seria suficiente. O advogado compreendeu a essência das críticas, mas afirmou que o QR Code não poderia ser substituído pelo hiperlink:
O link no Processo Judicial Eletrônico (PJe) seria até mais fácil, não à toa colocamos também um link no QR Code nas peças via PJe. Entretanto, memoriais, por exemplo, são sempre físicos, por isso é necessário o QR Code.
Seja como for, o fato é que um QR Code na primeira página de uma petição desperta o interesse. O recurso captura a atenção das pessoas que estão folheando o processo – estagiários, escrivães e magistrados. Há um desejo, ainda que inconsciente, de saber para onde aquele código de barras leva; de saber quais são os “segredos” que aquele código esconde. Parece algo místico, mas é mera curiosidade…
QR Code em peças processuais
Aliás, não à toa algumas empresas estão disponibilizando recursos para facilitar a inclusão de QR Codes em petições. A plataforma AdvBox, por exemplo, lançou um gerador de QR Code para peças processuais, buscando aprimorar a comunicação do advogado (peticionário) com o magistrado (destinatário final). Aliás, a ferramenta é bastante simples de usar e não demanda maiores explicações.
Para utilizar o recurso, o advogado deve primeiro gravar um vídeo breve explicando a petição. É recomendável que o vídeo tenha, no máximo, dois minutos, pois, do contrário, é provável que o magistrado não assista. Após gravar o vídeo, o profissional deve fazer o upload do conteúdo em alguma plataforma de hospedagem. Os mais usuais para essa finalidade são o YouTube e Vimeo.
Concluído o upload no YouTube, por exemplo, o advogado deve selecionar a opção “não listado” nas configurações de privacidade, de modo a assegurar que somente as pessoas com o link possam assistir o conteúdo. Enfim, basta copiar o link da página de visualização e inseri-lo no gerador de QR Code da AdvBox ou em qualquer outro gerador similar (basta digitar QR Code generator no Google).
Há pouco tempo, era necessário baixar aplicativos próprios para ler os QR Codes. No entanto, hoje a maioria dos smartphones reconhece os códigos automaticamente, ou seja, sem a necessidade de apps. Em alguns modelo, basta abrir a função “câmera” e direcionar a lente para o QR Code. Sendo assim, não há dificuldade em acessar o código de barra tridimensional na petição.
Como os vídeos podem aprimorar as petições
Os recursos visuais são poderosos elementos de comunicação. Embora não vislumbre um cenário próximo em que eles substituam por completo as informações textuais, estou convencido de que tais recursos podem (e devem) ser empregados pelos advogados nas petições, tanto para tornar a pretensão do cliente mais clara (na área cível e trabalhista) quanto para fortalecer a defesa (na área criminal).
O art. 188, do Novo Código de Processo Civil, autoriza, ainda que não especificamente, a utilização de recursos visuais nas petições. De acordo com a redação do dispositivo, os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.
Desse modo, é perfeitamente viável usar vídeos em petições. Cabe ao profissional da advocacia tomar a iniciativa de empregá-los na prática e, consequentemente, colher os resultados advindos desses recursos. A seguir, elenco algumas ideias para aplicar vídeos em peças processuais:
1. Vídeos para complementar petições iniciais
A primeira forma de usar vídeos em petições é como complemento das petições iniciais. Ao concluir a redação da peça processual, o advogado gravaria, então, um vídeo explicando ao magistrado os principais pontos da demanda. O profissional pode gravar o vídeo pelo próprio smartphone (hoje em dia as câmeras oferecem excelente qualidade gráfica) ou contratar uma equipe de gravação para fazê-lo.
Uma vez gravado o vídeo, o advogado deve fazer o upload do vídeo em alguma plataforma. Surgem daí três opções:
- Gerar um hiperlink para inserir na petição (recomendo encurtá-lo com o bitly);
- Gerar um QR Code para inserir na petição; e
- Inserir o vídeo na petição (esse recurso funciona somente em processos eletrônicos, pois exige conexão à Internet para acessar o conteúdo).
2. Vídeos animados para explicar casos complexos
A segunda forma de usar vídeos em petições é para esclarecer casos complexos, em especial aqueles que exigem diversas laudas para uma explicação convincente. O profissional da advocacia pode contratar algum estúdio criativo especializado em animação para criar o vídeo. É claro que haverá valores envolvidos ao contratar o estúdio, mas o investimento pode se justificar ao final da demanda.
O lado positivo de contratar um estúdio especializado em animação é que seus profissionais, em regra, dominam as ferramentas de storytelling. Na prática, o advogado explicaria os principais pontos de controvérsia da pretensão do cliente, e o estúdio, por sua vez, traduziria toda essa complexidade em uma história bem contada. Em resumo, um vídeo curto para capturar a atenção do julgador.
3. Vídeos extraídos de câmeras de segurança
A terceira forma de usar vídeos em petições se conecta às defesas criminais. Crimes são registrados por câmeras de segurança todos os dias. Em alguns casos, a juntada de um vídeo extraído de equipamentos de vigilância pode ser determinante para inocentar o cliente. Além disso, em situações que envolvem legítima defesa, a juntada do registro da câmera pode demonstrar que não houve excesso punível.
Muitos advogados criminalistas acostam nos autos esse tipo de prova usando um DVD. Em resumo, o DVD é inserido em um envelope plástico, que depois é grampeado na folha “X” do processo. Embora seja prática comum, entendo que há dois problemas com esse tipo de prova. O primeiro é o desestímulo do julgador para analisar o conteúdo, pois envolve uma série de atos:
- Remover os grampos;
- Retirar o DVD do envelope;
- Inserir o DVD no computador ou notebook;
- Procurar o tempo de vídeo (minutos ou segundos) indicado pelo advogado;
- Assistir ao conteúdo integral ou parcialmente;
- Recolocar o DVD no envelope e grampear o plástico na folha.
O segundo problema é que a maioria dos notebooks não possui mais entrada para CD/DVD. Hoje, é comum que juízes analisem as provas também em suas residências. E, geralmente, os notebooks que possuem são modelos mais novos, não equipados com os leitores. Na prática, o magistrado perde uma oportunidade preciosa de analisar a prova em DVD no cômodo do lar, por não ter equipamento para tanto.
4. Vídeos de depoimentos recortados
A quarta forma é recortar os vídeos dos depoimentos das testemunhas. Como se sabe, grande parte dos depoimentos, sobretudo em processos da Justiça Federal, são gravados em vídeo. Nesse cenário, é comum o advogado, ao expor suas razões de forma escrita, indicar o local onde o vídeo está (evento), transcrevendo trechos do depoimento e indicando o tempo exato em que as palavras foram ditas.
Mas acredito que existe uma maneira mais eficaz de convencer o magistrado: apresentar recortes de vídeos. Logo, em vez de transcrever o que foi dito pela testemunha, apontando os minutos e segundos, o advogado apresentaria o exato trecho do depoimento. Aliás, hoje é possível recortar um vídeo sem maiores dificuldades (pesquise, por exemplo, o termo online video cutter no Google).
Na prática, o advogado protocolaria a petição normalmente, apresentando seus argumentos, mas substituiria os trechos transcritos (em texto) por recortes de vídeos. Ao analisar a petição, o juiz então apertaria o play no vídeo (recortado) e assistiria o trecho que realmente importa. Já imaginou expor, em vídeo, o exato momento em que a testemunha “inocenta” o cliente?
O poder dos elementos visuais
Essas são apenas algumas possibilidades de usar vídeos para aprimorar as peças processuais. A criatividade do profissional da advocacia fica encarregada do resto, conforme as particularidades de cada caso concreto. Mas, enfim, não há como subestimar o poder dos elementos visuais.
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