Visual Law: como analisar a linguagem não verbal em petições

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Paul Ekman é reconhecido mundialmente como pioneiro no estudo da linguagem não verbal. Na década de 60, ele conduziu estudos em diversas partes do mundo para entender como as emoções se expressam na face humana. Após um período com os Fore, uma tribo oceânica da Papua-Nova Guiné sem qualquer contato com a civilização, o psicólogo identificou sete emoções universais através das expressões faciais.

Paul Ekman e a linguagem não verbal

Ekman descobriu que expressões como nojo, raiva, medo, tristeza, alegria, surpresa e desprezo eram expressadas de forma universal. Ou seja, não dependiam de educação, cultura ou outras condições. Uma pessoa que nasceu cega terá as mesmas expressões faciais de alguém que nasceu com a visão. Em seus estudos, ele também percebeu a existência de microexpressões faciais, que se manifestam em milésimos de segundos.

Em 1976, o psicólogo mapeou a face humana e criou o Facial Action Coding System (FACS). O sistema delimita as Unidades de Ação (Actions Units), representadas pela contração ou relaxamento de um ou mais músculos. As conclusões da pesquisa tiveram ramificações em diversos campos, mas um dos potenciais mais explorados ao redor do mundo é o de detectar mentiras através da linguagem não verbal.

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Ekman com a tribo dos Fore, em 1968

Detecção de mentiras e prova testemunhal

Embora seja uma ciência que não se resume a simples interpretação de sinais corporais ou microexpressões faciais, a detecção de mentiras vem adquirindo espaço no mundo jurídico. Alguns profissionais da advocacia estão combinando a interpretação da linguagem verbal com a linguagem não verbal em petições. O objetivo, em síntese, é aprimorar a produção probatória e “desmascarar” depoimentos que faltam com a verdade.

Como sabemos, a prova testemunhal é o meio de prova mais utilizado no processo brasileiro e, por via de consequência, a base da maioria das sentenças. Todas as semanas, inúmeros processos judiciais são julgados com base naquilo que foi dito pelas testemunhas durante a instrução. Não raras vezes, aliás, julgadores fundamentam suas decisões com base somente naquilo que as testemunhas afirmaram em juízo.

Advogados e advogadas que buscam a excelência na prestação dos serviços devem compreender a dinâmica dos depoimentos. Os profissionais devem saber produzir provas, provocar comportamentos e utilizar os recursos a seu favor. Em suma, uma má atuação em audiência ou mesmo uma análise equivocada dos depoimentos em juízo poderá ser determinante para que o processo se encaminhe a um desfecho desfavorável.

Como provocar comportamentos

Existem diversas técnicas para provocar comportamentos em audiências e produzir provas a partir desses comportamentos (no Brasil, o professor Thompson Cardoso é, seguramente, um dos maiores especialistas em entrevista, interrogatório e detecção de mentiras). Uma técnica importante, que pode muitas vezes definir uma audiência, é apostar no elemento surpresa para que a testemunha entre em contradição.

Se você notar que a testemunha está contando uma versão perfeita dos fatos, sem qualquer deslize, você pode aumentar a “carga cognitiva” pedindo a ela que conte o fato de trás para frente. Se a testemunha apresentar dificuldade em contar a versão dessa forma, provavelmente estará mentindo. Isso porque, quando relatamos algo real, o processo é mais simples e não temos dificuldades de contar a história em qualquer ordem.

Só para ilustrar, tomemos como exemplo uma atuação num processo criminal:

Advogado(a): Você disse que viu o réu no local do crime?

Testemunha: Sim, eu vi ele lá.

Advogado(a): E antes de você ver ele no local do crime, o que você estava fazendo?

Testemunha: Hmmm, eu estava… (demora para elaborar a resposta)

Advogado(a): E antes disso, onde você estava?

Testemunha: Hmmm.. eu… eu… (demora ainda maior para elaborar a resposta)

Explorando o elemento surpresa

Essa abordagem “pega” a testemunha de surpresa. Ela presume estar em determinado momento cronológico da narrativa e que tudo que ela precisa fazer é prosseguir com o relato falso. Ou seja, ela não está esperando que alguém pergunte o que aconteceu antes daquilo que ela está contando agora. E também não espera que, após ter respondido o questionamento, alguém pergunte o que aconteceu antes de antes.

Haverá situações em que a testemunha estará bem preparada e conseguirá narrar, em poucos detalhes, a história de trás para frente. Nesse momento, o advogado pode usar perguntas abertas (exemplo: “O que você viu quando entrou lá”?) para que a testemunha conte mais detalhes. Se a testemunha estiver mentindo, há grande probabilidade de que ela se perca na história, por estar inventando tantos detalhes.

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Existem, aliás, diversas técnicas para provocar comportamentos em audiências

Se a testemunha estiver falando a verdade, o depoimento provavelmente será irrelevante para a acusação. O Promotor de Justiça talvez não tenha interesse em explorar mais o que a testemunha estava fazendo antes dos fatos. Mas para você, como advogado(a), as informações terão real importância. Afinal, se a testemunha “se atrapalhar” para contar os fatos, essa “trapalhada” pode ser usada como argumento de defesa.

Em síntese, confira um exemplo:

Advogado(a): Só para confirmar: você afirma que estava no local e viu o réu cometer o crime?

Testemunha: Sim, ele estava lá.

Advogado(a): Mas, então, por que você não consegue dizer onde estava antes disso?

Testemunha: Bem… eu…. hmmm… (demora para elaborar a resposta)

Linguagem não verbal e Visual Law

Sabendo como provocar comportamentos e produzir prova em audiência, o próximo passo é organizar as informações através das técnicas de Visual Law. Se você leu este texto aqui, já sabe como apresentar recortes de vídeos em petições. Sendo assim, você pode perfeitamente apresentar os argumentos em texto e, entre um parágrafo e outro, inserir recortes de vídeos do depoimento dessa testemunha “atrapalhada”.

No caso, você poderia realçar ao magistrado os “lapsos de memória” da testemunha em perguntas simples. Além disso, você poderia inserir recortes de vídeos nos exatos instantes em que a testemunha “dá de ombros”, demonstra insegurança ao responder os questionamentos. Essa, enfim, é apenas uma das inúmeras possibilidades de combinar Visual Law e análise da linguagem não verbal em petições.


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Bernardo de Azevedo

Bernardo de Azevedo

Advogado. Doutorando em Direito (UNISINOS). Mestre em Ciências Criminais (PUCRS). Especialista em Computação Forense e Segurança da Informação (IPOG). Professor dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da Universidade FEEVALE e da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
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