A advocacia continuará sendo considerada atividade de meio em um futuro Data-Driven?

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A advocacia, enquanto atividade técnica, exige do advogado uma certa dose de antecipação de cenários futuros. Os advogados são, de certo modo, futuristas. A afirmação talvez soe estranha ao leitor, mas pense comigo por um instante na rotina do profissional da advocacia.

Durante o atendimento inicial – ou seja, na primeira reunião com cliente –, o advogado normalmente é “bombardeado” com perguntas. O detalhe é que alguns dos questionamentos, quando não a maioria, envolvem o futuro. É possível ganharmos o caso, doutor? O que acontecerá se eu não ajuizar essa ação? Corro risco de perder o caso se eu esperar muito para entrar? Quando tempo o processo irá durar?

Para oferecer respostas satisfatórias ao cliente, o advogado geralmente se vale da experiência, relatando um ou mais casos exitosos em que atuou. No entanto, o profissional pode também mencionar a jurisprudência majoritária de determinado tribunal (que, por identidade de matéria, seria igualmente aplicável no caso do cliente) ou mesmo apontar decisões pontuais passíveis de serem repetidas amanhã.

A advocacia envolve antecipar cenários futuros

Ao agir de tal modo, o advogado não necessariamente está prevendo o futuro – aliás, nem mesmo os futuristas preveem o futuro –, mas lendo sinais e apresentando cenários (futuros) hipotéticos. Esse exercício de antecipação é fundamental em seu trabalho, pois, com ele, o advogado consegue tomar decisões com maior eficiência no presente e se preparar para aquilo que poderá acontecer.

Ainda que muitos profissionais da advocacia não pensem a respeito, antecipar cenários e prever os possíveis resultados faz parte de suas rotinas diárias. Ao se reunir com o cliente, o profissional estará cogitando os futuros possíveis e prováveis para o desfecho do caso narrado. Durante a conversa com o cliente, o advogado estará antecipando o tempo de dedicação e a possível duração do processo.

Em síntese, o profissional estará a todo momento vislumbrando as estratégias defensivas que podem ser aplicadas naquele caso, para, então, aconselhar o cliente a agir desta ou daquela maneira. Portanto, a advocacia tem um quê de futurista.

Mesmo que a advocacia envolva a antecipação de cenários, todo profissional sabe que se trata de atividade de meio – e não de fim. Significa dizer que, ao assumir a causa, o advogado deve empregar a melhor técnica possível em busca do resultado exitoso, mas, como regra (a teoria da perda de uma chance entra como exceção), não pode ser responsabilizado caso o desfecho seja desfavorável.

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O Direito e a cultura Data-Driven

O fato, caro leitor, é que a área do Direito está aos poucos se tornando Data-Driven. Ou seja, está cada vez mais sendo orientada por dados, para melhorar a solução dos problemas jurídicos e a análise dos riscos envolvidos em cada caso judicial. Os escritórios de advocacia e os departamentos jurídicos já estão reservando parte do orçamento para imergir nesse ambiente guiado por dados.

A cultura Data-Driven tem se expandido nos Estados Unidos e outros países da Europa, que estão adotando técnicas avançadas na esfera judicial. As iniciativas vão desde a busca de informações em documentos digitalizados, passando pela análise preditiva de processos e tendências de julgamento, até a criação de novas soluções para advogados – ou seja, novas formas de entregar serviços jurídicos.

Algumas startups brasileiras já estão oferecendo soluções que fazem uso dos princípios da jurimetria para prever resultados. Em suma, essas aplicações oferecem, a partir de estatísticas, prognósticos mais próximos da realidade. Com a jurimetria, advogados e os escritórios de advocacia são capazes de entender os padrões nas decisões judiciais e aprimorar seus poderes de negociação.

A advocacia como atividade de meio e o futuro Data-Driven

Em meio a esse movimento global orientado a dados, ainda em seu primeiro ciclo no Brasil, me pus, por uns instantes, a imaginar o futuro. Cogitei um amanhã (não tão distante) no qual as ferramentas de análise preditiva eram tão avançadas que o índice de acurácia chegava a 99,9%. Nesse futuro, os advogados capazes de adquirir essas tecnologias ganhavam praticamente todos os processos.

Voltei à realidade e, então, me questionei: e se, no futuro, as ferramentas de análise preditiva afirmarem, com 99,9% de exatidão, que determinada causa judicial está “ganha”, e o advogado, ainda assim, perder o caso? Afinal, o que acontecerá nessa hipótese? Poderá o profissional da advocacia ser responsabilizado e, consequentemente, responder pelo insucesso do processo?

Hoje, a advocacia é considerada atividade de meio sobretudo porque o resultado (a decisão judicial) decorre de circunstâncias alheias à vontade do advogado (a análise das provas produzidas na instrução cabe, exclusivamente, ao magistrado). Mas em um mundo no qual é possível prever os desfechos de todas as decisões, o advogado não terá também compromisso com os resultados?

Enfim, a advocacia continuará sendo considerada atividade de meio em um futuro Data-Driven?

É o questionamento que deixo hoje para reflexão do leitor.


Continue explorando o assunto

MALDONADO, Viviane Nóbrega; FEIGELSON, Bruno (org.). Advocacia 4.0. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.


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Bernardo de Azevedo

Bernardo de Azevedo

Advogado. Doutorando em Direito (UNISINOS). Mestre em Ciências Criminais (PUCRS). Especialista em Computação Forense e Segurança da Informação (IPOG). Professor dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da Universidade FEEVALE e da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
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