Aprender programação deve estar entre as preocupações do advogado 4.0?

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Vivemos uma era dominada por softwares. Nossas chamadas telefônicas passam por redes controladas por eles. Nossas compras online são realizadas por intermédio de softwares. Dispositivos que costumavam ser físicos estão se dissolvendo cada vez mais em linhas de programação. O vídeo a seguir ilustra, aliás, o quanto as coisas estão se digitalizando e, consequentemente, se desmaterializando:

O software é a linguagem do nosso mundo

Apesar de todos os avanços tecnológicos, especialistas em tecnologia da informação estão convencidos de que estamos vendo apenas a ponta do iceberg. O mundo das próximas gerações será ainda mais digital. Com a massificação da Internet das Coisas, representada pela ideia de interligar objetos da vida cotidiana à Internet, residências e veículos serão todos controlados por programas de computador.

Há quem diga que, no futuro, não saber o idioma dos computadores será tão desafiador quanto não saber a língua materna. A afirmação parece ousada, sem dúvida. Mas alguns países não estão medindo esforços para que as crianças sejam introduzidas nos conceitos básicos da codificação desde cedo. No Reino Unido, especialistas em computação como Stephanie Shirley têm difundido a ideia.

Entendendo a programação

A programação é a arte de dizer a um computador, por meio de uma sequência de passos, como executar tarefas complexas. Programar é fornecer instruções a um programa, para que ele funcione de determina maneira. As possibilidades da programação são, em suma, infinitas. Saber codificar nos permite criar mundos virtuais dentro do computador onde o único limite é a nossa imaginação.

Qualquer pessoa pode aprender a codificar. Qualquer um é capaz de adquirir as habilidades básicas em poucas horas e, em poucas semanas, desenvolver linhas de programação mais complexas. Mas será que aprender programação deve estar entre as preocupações do advogado 4.0? Os profissionais da advocacia devem dedicar tempo e recursos financeiros para entender as bases da codificação?

Os profissionais da advocacia precisam aprender programação?

Estou convencido que sim, mas me deixe, leitor(a), aprofundar este olhar com mais detalhes.

Em primeiro lugar, adianto o seguinte: você provavelmente será um(a) excelente advogado(a) sem saber nada de programação. Conheço advogados que jamais aprenderam uma linha sequer de codificação e são excelentes profissionais, mesmo atuando em questões relacionadas à tecnologia. Portanto, você não é obrigado a aprender programação para ser bem sucedido na advocacia.

Programação como diferencial

Contudo, aprender programação (ainda que sejam apenas noções básicas) diferenciará você da maioria dos advogados. E, ao se diferenciar da maioria, você naturalmente ampliará seu leque de atuação, receberá mais oportunidades e fechará novos negócios. A experiência advinda da codificação oferece uma vantagem competitiva, por exemplo, quando se trata de aconselhar negócios digitais.

Hoje em dia, as empresas mais bem sucedidas, independentemente do ramo de atuação, aplicam algoritmos e tecnologia estrategicamente em seus negócios. A Netflix combina Inteligência Artificial e Big Data para recomendar filmes. A Wave usa aplicativos móveis e GPS para solucionar problemas de trânsito e deslocamento. A Airbnb utiliza inteligência artificial para facilitar a procura de imóveis.

Por conta disso, muitas empresas e startups estão exigindo que os advogados conheçam a fundo seus negócios. Oferecer meramente a solução técnica pode até funcionar a curto prazo, mas provavelmente essas empresas e/ou startups não desejarão renovar contrato com você. Afinal, por que confiariam seus negócios a um profissional que não entende o mínimo do funcionamento do software?

Sergii Shcherbak, head de desenvolvimento de software do escritório de advocacia Synch, resume o ponto:

Saber como o código funciona e como o processo de desenvolvimento está estruturado permite uma melhor compreensão de como os processos são executados nas empresas de software e como suas soluções funcionam.

Conhecimentos avançados de programação, talvez não, mas o básico é essencial

Embora conhecimentos avançados de codificação talvez não sejam necessários para advogados, entender o básico é essencial para aqueles que buscam se diferenciar da maioria e captar novas oportunidades de negócios. Entender o básico permite ao advogado vislumbrar os problemas técnicos que a empresa está enfrentando e contribuir, em conjunto com seus programadores, para solucioná-los.

Profissionais com noções básicas de programação têm ainda potencial de desenvolver soluções tecnológicas eficazes, caso decidam (co)fundar uma startup jurídica (lawtech/legaltech). Embora normalmente a codificação fique a cargo de um programador full time, o advogado que entende o básico pode auxiliar na arquitetura da aplicação, contribuindo para tornar a solução ainda mais relevante.

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Expandindo o pensamento computacional

Mas talvez a maior habilidade que a programação pode oferecer a quem a procura, incluindo os advogados, é o pensamento computacional, ou seja, a habilidade de resolver problemas, desenhar sistemas e entender o comportamento humano com base em conceitos da ciência da computação. Em síntese, o pensamento computacional tem quatro princípios (ou pilares) fundamentais:

  1. Abstração: ato de analisar elementos mais relevantes e diferenciá-los daqueles que podem ser inutilizados ou deixados de lado;
  2. Decomposição e síntese: ato de dividir um problema em pequenas partes, solucioná-las separadamente, para depois fundir todos essas partes em um todo coerente;
  3. Reconhecimento de padrões: ato de identificar aspectos comuns nos processos;
  4. Algoritmos: ato de criar grupo de regras para solucionar os problemas.

Mesmo sem saber, usamos o pensamento computacional todos os dias. Quando vamos viajar para algum lugar, por exemplo, analisamos qual será o percurso (decomposição), se serão necessários gastos com estacionamento e combustível (abstração) e criamos um plano de viagem (algoritmos). Quando vamos ao mercado, elaboramos uma lista ordenada que nos ajuda a poupar tempo (abstração).

O pensamento computacional na advocacia

Em um mundo movido por dados (e dados são códigos), todas as áreas do conhecimento podem se beneficiar do pensamento computacional, incluindo o Direito. O pensamento computacional é perfeitamente aplicado ao campo. Além disso, os advogados são plenamente capazes de empregar seus princípios (ou pilares) fundamentais para atuar ainda melhor nos processos judiciais.

O pensamento computacional habilita o advogado a entender problemas complexos, suas partes importantes e como solucioná-los. Ao assumir um caso, o profissional identifica as questões técnicas envolvidas (decomposição), estuda a jurisprudência e casos similares (reconhecimento de padrões), analisa quem são as partes interessadas e os prazos (abstração) e, ao final, monta a estratégia (algoritmos).

Desenvolver continuamente novas habilidades é um imperativo para o advogado 4.0. Você tem a opção de ignorar este texto e decidir que programação não é para você. Mas, se escolher aprender noções de codificação (ainda que básicas), em pouco tempo perceberá que tal habilidade oferece muitos benefícios, seja na resolução de problemas jurídicos, seja na captação de oportunidades de negócios.


Continue explorando o assunto

DEVLIN, Hannah. Two-year-olds should learn to code, says computing pioneer. The Guardian, Londres, 20 ago 2017.

FORD, Janine. Do lawyers need to learn to code? Legal Tech Weekly, Copenhagen, 19 mar 2019.

VANIN, Fausto. Entenda como o pensamento computacional irá mudar sua vida no futuro. Futuro Exponencial, Porto Alegre, 26 abr 2017.


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Bernardo de Azevedo

Bernardo de Azevedo

Advogado. Doutorando em Direito (UNISINOS). Mestre em Ciências Criminais (PUCRS). Especialista em Computação Forense e Segurança da Informação (IPOG). Professor dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da Universidade FEEVALE e da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
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