O advogado 4.0 deve buscar o conhecimento ou a ignorância sofisticada?

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Buscar o conhecimento ou a ignorância sofisticada? Este é o tema do texto de hoje.

Muitos especialistas estão convencidos de que o pensamento crítico será uma das habilidades mais importantes nos próximos anos. Conforme experts em educação como Tony Wagner, os profissionais capazes de encontrar formas inovadoras de resolver os problemas terão muitas oportunidades no mercado de trabalho do futuro. Mas, para isso, é preciso questionar. Questionar muito.

De acordo com Wagner, a base do pensamento crítico é fazer perguntas – principalmente boas perguntas. Antes de resolvermos um problema, devemos sempre analisar e indagar, de forma crítica, suas causas e motivos. O grande problema é que não somos ensinados a questionar. Os nossos sistemas educacionais ensinam os estudantes a responder perguntas, e não a formulá-las.

Na grande maioria dos cursos de Direito no país, os alunos não são estimulados a formular questionamentos. Pelo contrário, são incentivados apenas a responder os problemas jurídicos propostos pelos professores. Desse modo, ao concluir o curso, os estudantes iniciam no mercado sem ter desenvolvido a capacidade de fazer boas perguntas; sem, enfim, ter desenvolvimento o pensamento crítico.

O educador britânico Sir Ken Robinson sustenta que as perguntas que fazemos são mais importantes do que as respostas que procuramos. Em seu livro  Out of Our Minds: The Power of Being Creative (2017), ele destaca que todo questionamento conduz a linhas específicas de procura. Sendo assim, ao mudarmos as perguntas, um horizonte completamente novo se abre à nossa frente.

Somos todos ignorantes?

As teses de Tony Wagner e Ken Robinson reforçam aquilos que alguns profissionais não querem enxergar: somos seres imperfeitos. Todos temos nossas limitações. Todos temos nossas imperfeições. Existem um sem número de áreas que desconhecemos e disciplinas que não dominamos. Não temos as respostas e soluções para todos os problemas. A verdade é que todos somos ignorantes.

A palavra “ignorância” normalmente é associada a algo negativo. O ignorante é aquele que não tem conhecimento, o desinformado, o incompetente, o ingênuo. Aliás, chamar alguém de “ignorante” pode desencadear uma briga ou até mesmo iniciar uma batalha judicial. Contudo, essas são as conotações ruins do termo “ignorância”. E nenhuma delas desejo tratar neste texto.

Em síntese, a ignorância que desejo tratar é aquela ignorância proveniente de uma lacuna no conhecimento. Aquela ignorância que nos remete a algo não conhecido – ou ainda não bem conhecido. Uma ignorância consciente e que se resume nesta construção: existem coisas que sabemos, existem coisas que sabemos que não sabemos, e existem coisas que não sabemos que não sabemos.

Veja a imagem a seguir:

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A busca pela ignorância sofisticada

Em seu ted talk The Pursuit of Ignorance, Stuart Firestein refere que saber muito apenas serve para nos ajudar a atingir mais ignorância. De acordo com o professor, o conhecimento gera ignorância. À medida que o conhecimento cresce, os contornos da ignorância também crescem com ele. Desse modo, se o conhecimento é um grande campo, a ignorância é um campo ainda maior:

Se pensarmos no conhecimento como uma propagação numa poça, a coisa importante a se notar é que nossa ignorância, a circunferência desse conhecimento, também cresce com ele. – Stuart Firestein

Mas isso significa que devemos desistir? Que devemos abdicar do conhecimento? É claro que não! Conforme sustenta Firestein, devemos usar o conhecimento para criar uma ignorância melhor. Devemos buscar uma ignorância de melhor qualidade, ou seja, uma ignorância sofisticada, refinada, aprimorada. E sabe qual é a melhor forma de sofisticar nossa ignorância? Fazendo boas perguntas.

Para Firestein, o verdadeiro propósito de saber muito é ser capaz de fazer muitas perguntas. Em síntese, ser capaz de criar questionamentos profundos e interessantes. Muitos profissionais sabem muito, mas não conseguem fazer boas perguntas. Já outros profissionais sabem menos, mas otimizam o conhecimento que possuem. E, fazendo as perguntas certas, eles acabam chegando muito longe.

O advogado 4.0 e a ignorância sofisticada

Recentemente escrevi sobre lifelong learning e continuous reskilling, dois imperativos dos novos tempos. O primeiro nos remete à busca incansável e voluntária pelo conhecimento, enquanto o segundo ao desenvolvimento contínuo de novas habilidades. São dois conceitos poderosos. Eles nos lembram da importância de se qualificar de forma permanente e abrir a nossa mente para novas ideias.

Além disso, há alguns dias escrevi que a advocacia está passando por duas grandes transformações. A primeira representada pela tecnologia no Direito, e a segunda representada pelas mudanças no Direito enquanto reflexo da sociedade tecnológica. No meu entender, todo esse contexto está exigindo dos profissionais da advocacia novas habilidades, mas também uma boa dose de humildade.

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A advocacia está passando por duas grandes transformações (e nunca mais será a mesma)

Alguns profissionais estão ignorando as mudanças pelas quais a advocacia está passando. Alguns desconsideram o universo de lawtechs e legaltechs no país, e as soluções tecnológicas que estão sendo criadas. E uma parte significativa desse modo de pensar decorre de práticas antigas e, sob a minha ótica, ultrapassadas. Refiro-me àquele modelo de advocacia avessa ao novo e que guarda tudo para si.

Em um mundo abundante como o nosso, não mais há espaço para a “reserva de conhecimento”. Quando escrevo textos relacionados à Advocacia 4.0 neste site, procuro trazer o que há de mais atualizado sobre o “novo mundo” do Direito. O objetivo é ajudar o leitor a estar mais preparado para o mercado jurídico do amanhã. Afinal, não vejo sentido em guardar todas essas informações comigo.

Sei que incumbe ao leitor decidir o que fazer com as informações aqui disponíveis. Cabe a ele eleger o que absorver e o que dispensar. Mas se eu conseguir despertar em apenas um leitor a inquietude, a curiosidade, o pensamento crítico, o desejo de pensar fora do padrão, a criatividade e, em especial, a capacidade de fazer boas perguntas, terei cumprido a minha missão.

Firestein conclui que não devemos nos preocupar apenas com o repertório, mas com o repertório que nos leve a melhores perguntas. Afinal, são elas que nos fazem chegar mais longe. A mensagem que deixo hoje é: que sejamos sempre humildes em reconhecer que jamais saberemos tudo e que devemos permanentemente nos desenvolver. Que sejamos sempre capazes de sofisticar as nossas ignorâncias.


Continue explorando o assunto

FIRESTEIN, Stuart. Ignorância: como ela impulsiona a ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

ROBINSON, Ken. Libertando o poder criativo. São Paulo: Alta Books, 2018.


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Bernardo de Azevedo

Bernardo de Azevedo

Advogado. Doutorando em Direito (UNISINOS). Mestre em Ciências Criminais (PUCRS). Especialista em Computação Forense e Segurança da Informação (IPOG). Professor dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da Universidade FEEVALE e da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
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